O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, citou o golpe militar de 1964 ao votar neste domingo (31) na ação sobre os limites das atribuições das Forças Armadas.
No dia em que se completa 60 anos do início da ditadura, Dino afirmou no voto que a data remete a um “período abominável da nossa história” quando “à revelia das normas consagradas pela constituição de 1946, o estado de direito foi destroçado pelo uso ilegítimo da força”.
O julgamento no STF começou na sexta (29) em ambiente virtual e a previsão é que seja encerrado em 8 de abril. Até o momento, Dino, Luis Roberto Barroso e Luiz Fux votaram, todos contra a tese sobre as Forças Armadas serem um poder moderador.
A ação foi proposta pelo PDT, em 2020, e, antes do julgamento, teve uma liminar concedida por Fux para estabelecer que a prerrogativa do presidente da República de autorizar emprego das Forças Armadas não pode ser exercida contra os outros dois Poderes.
Um dos motivos da proposição foi o retorno do tema após Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores defenderam uma interpretação de que o artigo 142 da Constituição Federal segundo a qual as Forças Armadas são um poder moderador.
“As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”, diz o artigo citado pelos bolsonaristas.
Em seu voto, Dino citou a discussão e afirmou que não existe um poder militar previsto em na Constituição.
“Com efeito, lembro que não existe, no nosso regime constitucional, um poder militar. O poder é apenas civil, constituído por três ramos ungidos pela soberania popular, direta e indiretamente. A tais poderes constitucionais, a função militar e subalterna, como aliás consta no artigo 142 da carta magna”, afirmou.
Sem citar Bolsonaro e a tentativa de golpe investigada pela Polícia Federal, Dino, afirmou que é necessário acabar com “quaisquer teses que ultrapassem ou fraudem o real sentido do artigo 142 da Constituição Federal, fixado de modo imperativo e inequívoco por este supremo tribunal”.
Como mostrou a apuração da PF, Bolsonaro e seus aliados se valeram de uma interpretação do jurista Ives Gandra Martins sobre a Constituição em seus debates sobre o golpe para reverter o resultado das eleições de 2022.
Dino, também sem citar Ives Gandra, aborda a interpretação sobre o artigo 142 defendida por ele e classifica a tese como “delirante construção teórica”.
“Tais fatos lamentavelmente mostram a oportunidade de o STF repisar conceitos basilares plasmados na Constituição vigente – filiada ao rol das que consagram a democracia como um valor indeclinável e condição de possibilidade à concretização dos direitos fundamentais dos cidadãos e cidadãs”, diz trecho do voto do ministro.
Ainda segundo Dino, o golpe militar “resultou em muitos prejuízos à nossa nação, grande parte irreparáveis.
“São páginas, em larga medida, superadas da nossa história. Contudo, ainda subsistem ecos desse passado que teima em não passar, o que prova que não é tão passado como aparente ser”.